«A Escola como um romance»

 

«Pelo menos três discursos piedosos dominaram a escola, nas últimas décadas, construindo em torno dela três romances muito preocupados com a verosimilhança: o romance pedagógico (em que o adjetivo ‘pedagógico’ quase passou a corresponder ao substantivo ‘ensino’, e em que uma corporação passou a deter a ciência do ensino), o romance tecnológico (que tem como personagens principais a informática, o audiovisual e todas as mutações que vão no sentido de uma civilização da imagem a que a instituição escolar tem de se adaptar) e o romance sociológico (a escola aberta às massas que tem de abandonar a referência aos saberes e às exigências das elites). Agora, está em curso uma nova construção romanesca com um argumento clássico, onde podemos descortinar uma velha oposição entre instrução e educação. A escola que tem como fim instruir é dotada de uma tarefa perfeitamente definível e racional, exigindo apenas um acordo sobre os critérios e os conteúdos.


A escola que visa a educação tem no fundo uma tarefa infinita e indeterminada porque a educação é uma noção ideal: é o processo pelo qual o sujeito se realiza inteiramente, atingindo a perfeição em todos os domínios importantes. Do ponto de vista do ideal da educação, nenhuma exclusão é legítima e nenhuma insuficiência deve ser tolerada. Um verdadeiro educador deve visar a formação de um homem total e a sua tarefa é mais uma missão. Ora, entre o pragmatismo da instrução e a utopia da educação não se tem conseguido encontrar um lugar habitável e eficaz precisamente por causa das construções romanescas edificantes em torno da escola, a mais poderosa das quais é de cariz nostálgico: “A escola no meu tempo é que era boa”. Tão boa como a comida da mãe, as brincadeiras de infância e tudo o resto que entra num belo romance das origens, de uso e abuso universal.» (Expresso)

 

publicado por Correio da Educação
publicado por José Carlos Silva às 13:05 | link do post | comentar