UMA REALIDADE A SER ENCARADA DE FRENTE E COM REALISMO: NÃO HÁ GUITO E SEM GUITO NADA SE FAZ. E É PENA...E PODE TOCAR A TODOS...

Ser professor dos quadros deixou de ser garantia de estabilidade. Mais de cinco mil esperam para saber onde vão ser colocados e outros tantos sujeitam-se a todos os trabalhos para não perder o lugar na escola.
Há 17 anos que Orlando Gomes é professor nos quadros de uma escola de Aveiro. Este ano, pela primeira vez e a poucas semanas do início das aulas, não sabe ainda o que o futuro lhe reserva.

Orlando dá aulas de Educação Visual e Tecnológica (EVT) e é um dos 5.733 docentes dos quadros que não conseguiram que lhes fossem atribuídos horários para dar aulas, ficando, por isso, sujeitos a um concurso que os pode colocar numa das escolas do concelho onde são efectivos – que, em muitos casos, não é sequer aquela onde trabalham, porque muitos estão destacados por aproximação à residência.

Por estes dias, Orlando Gomes passa os dias ao telefone a tentar perceber o destino dos 50 colegas que ficaram sem turmas na sua escola. Alguns já não fazem parte dos números avançados na sexta-feira passada pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) porque a direcção lhes arranjou alternativas. «Mas a maioria não sabe que serviço lhes vai ser atribuído». É o caso de dois professores de Matemática com 27 anos de serviço, que «ficaram tão aliviados que nem perguntaram o que vão fazer».

Para salvar da mobilidade especial os docentes com horário-zero, os directores estão a propor que dêem aulas a turmas de vários ciclos diferentes, para compor o horário, ou mesmo que leccionem disciplinas que nunca deram mas que têm habilitações suficientes para ensinar. «Há professores que tiraram Engenharia e fizeram a profissionalização para dar Físico-Química e que, agora, estão a ser chamados para dar Matemática, quando nunca leccionaram esta matéria» – explica João Narciso, que há dez anos trabalha como contratado, dando aulas de Matemática.

Apesar de ser o n.º 182 numa lista de graduações que no ano passado teve cerca de cinco mil contratados, João Narciso não faz ideia do que o ano lectivo lhe reserva: «Desapareceram muitos horários de Português e de Matemática, graças ao fim do Estudo Acompanhado, que basicamente servia para essas disciplinas».

Mais turmas para cada professor

A fazer contas à vida, João percebeu rapidamente que o anunciado reforço destas cadeiras na revisão curricular não se traduzia em mais oportunidades de horários. Mas essas não são as únicas contas do MEC que trocaram as voltas aos professores. «Como os horários passaram a ser feitos ao minuto e não ao tempo lectivo, um horário completo passou de 22 horas lectivas para 24 horas», frisa o docente, que chega a um resultado desanimador: «Cada professor vai ficar com mais turmas». Em muitos casos, são onze ou mais turmas por docente. E a ordem é para fazer turmas com 30 alunos, mesmo quando há alunos com necessidades educativas especiais.

Outra medida que justifica a necessidade de menos professores tem que ver com a distribuição da componente não lectiva. Por exemplo, na maioria dos casos, o director de turma passa a ter apenas uma hora (em vez de duas) por semana para assegurar essas funções.

A concentração administrativa das escolas em mega-agrupamentos também fez desaparecer horas lectivas e diminuir o número de professores que dão apoio às direcções.

E se a isso se juntar o fim do par pedagógico (com aulas dadas por dois professores em sala) de Educação Visual e Tecnológica e o fim dos desdobramentos em Ciências Naturais (em que se dividia a turma em duas para fazer trabalho experimental), percebe-se melhor por que encolheram as possibilidades de emprego na docência.

Aos 55 anos, Orlando Gomes nem quer pensar na diferença que lhe fará ser colocado longe de casa no concurso – que terá os resultados afixados a 31 de Agosto. «Não é indiferente ficar aqui ao lado de casa ou andar 30 ou 40 km por dia porque isso tem custos».

Caso não tenha lugar nesse concurso, voltará para a escola onde está destacado, onde lhe será atribuído serviço de apoio. «Mas o que é que isso quer dizer?», interroga-se, sabendo que a resposta pode passar por estar na biblioteca ou ajudar a direcção da escola. E será que «isso conta como tempo lectivo?».

As dúvidas são mais do que as certezas. «Há muito medo e as pessoas já aceitam tudo. Só pensam em manter o emprego», lamenta Orlando Gomes, que teme as consequências de tudo isto no ensino: «Como é que vão ser as aulas de professores que vão dar aulas ao 1.º ciclo, depois de quase 20 anos de trabalho no 2.º ou no 3.º ciclo?».

Agarrar o que houver

João Narciso conhece casos destes no Seixal. «Na minha escola, há professores do 2.º ciclo que vão dar aulas de Matemática ao 3.º ciclo pela primeira vez na vida». João aposta tudo na possibilidade de ainda conseguir pelo menos um horário incompleto. «Este ano, pela primeira vez concorri até Vila Franca de Xira». Na verdade, era mais rentável ficar em casa a receber o subsídio de desemprego do que ter um horário incompleto, mas João não quer perder tempo de serviço. E, com dois filhos pequenos de 24 e quatro meses e a mulher em risco de perder o emprego, decidiu agarrar-se ao que houver.

Liliana Augusto é professora contratada há uma década e habituou-se a começar cada ano sem saber onde vai trabalhar. É uma dos cerca de 27 mil docentes que em 2011 assinaram um contrato a prazo para dar aulas. «Nunca estive mais do que um ano na mesma escola», conta. Casada e mãe de dois filhos em idade escolar, já habituada à instabilidade, quer acreditar que ainda vai ter colocação. Mas não esconde a angústia: «É um contra-senso. Eu contribuo para o país, já faço parte do sistema e, até aqui, fui sempre colocada».

Se no ano lectivo passado mais de 73% dos candidatos não tiveram lugar como contratados, as perspectivas este ano são ainda piores. «E ainda dizem que não há despedimentos na Função Pública. Ou só somos funcionários para nos cortarem os subsídios?», ironiza João Narciso.

Paulo Guinote, autor do blogue A Educação do meu umbigo, garante que na sua escola, «em Julho, não existia nenhuma recondução garantida» para os contratados, pelo que talvez até nem haja lugar para eles neste ano lectivo. Uma situação que faz Guinote falar numa «mistura de confusão, desilusão e expectativa» para descrever o estado de espírito da classe. «Vinte anos de carreira ou mais podem estar por um fio ou por um artigo de decreto que decida extinguir uma disciplina ou projecto de trabalho», observa, concluindo: «A instabilidade tornou-se regra e o inesperado quase quotidiano».

margarida.davim@sol.pt

 
publicado por José Carlos Silva às 13:24 | link do post | comentar